quarta-feira, 22 de junho de 2016

Quinta de Arcossó - Vinhos com perfil contemporâneo


A paixão faz o vinho

Dissertar sobre o universo gourmet pode levar-nos pelos caminhos da arrogância. É um vírus que se apanha facilmente, até porque, nos tristes tempos que correm, intelectual não é quem conhece as virtudes estilísticas do romance "A Brasileira de Prazins" mas sim quem sabe de vinhos ou conhece as últimas excentricidades dos chefes - esses faróis da modernidade.

Felizmente que a passagem do tempo, a disponibilidade para ouvirmos os outros e a entrada em cena de gente nova a escrever sobre estes domínios funcionam como uma infusão eficaz de humildade. Mas quem nos coloca verdadeiramente em sentido são os produtores porque, por mais que estudemos os assuntos, há sempre alguém que, num qualquer território desconhecido, tem algo para nos ensinar.


A última lição que tive foi dada por Amílcar Salgado, criador da Quinta de Arcossó. Já sabia que Trás-os-Montes tem uma história vitícola que se mede em séculos, mas não sabia que, nos dias de hoje, ainda podemos ver tanta vinha centenária em produção ou adegas construídas no século XVIII, como é o caso do lagar inserido no hotel Casas Novas Countryside Hotel Spa, que impressiona pelo facto dos antigos já conhecerem a importância da lei da gravidade para a feitura de bom vinho.

Amílcar Salgado tem uma vinha em plena produção (12 hectares) e outra (7 hectares) a ser plantada de raiz num território que corre o risco de se transformar num jardim vitícola de grande beleza.

Com actividade profissional na área de finanças, meteu-se na agricultura porque queria provar que é possível criar riqueza com a terra. "Antigamente, nesta terra, os camponeses faziam vinho para outros camponeses, E, eu, o que fiz foi, aproveitando a experiência deles (nunca se deve desprezar), introduzir melhorias técnicas para fazer vinhos com perfil contemporâneo".

Quando arrancou com o projecto, em 2001, tinha umas luzes sobre vinho, mas, hoje, fala de viticultura e enologia como um catedrático. Reconhece que o seu sucesso se deve a Rui Soares (na vinha) e a Francisco Montenegro, na adega, mas passa grande parte do tempo a pesquisar, a ler e a fazer experiências.

Ora, um dos vinhos emblemáticos do produtor é o Quinta de Arcossó Superior Bago a Bago. Não sei se mais alguém fará um vinho como este em Portugal, mas duvido. Reparem na coisa. Ainda o sol não chegou à vinha e já os melhores cachos de Touriga Nacional e Touriga Franca entram na adega. Depois, várias mulheres escolhem os melhores bagos de cada cacho, os quais vão inteiros, para as barricas de madeira de 500 litros. Ficam aqui em ambiente arrefecido num processo que se chama de maceração pelicular durante cinco dias. E só depois é que os bagos vão ser prensados, a pé, dentro das próprias barricas, numa ginástica exigente demorada.

Rompidos os bagos, o mosto fermenta entre 15 e 21 dias. Já transformado em vinho, é retirado das barricas para que nestas sejam colocados os tampos regressando de novo para um estágio de 20 a 22 meses. Ao mercado, o vinho chega cerca de quatro anos após a vindima.

Ouvindo o produtor explicar o processo, imaginei o tempo e dinheiro implicados e tratei de o provocar. Amílcar cheirou um copo que tinha na mão, provou um pouco, fez silêncio e rematou assim, "A vida ensina-me que a perfeição e a competitividade vêm da paixão com o que fazemos as coisas. Sem paixão, nada vale a pena. E eu sou tremendamente apaixonado por isto."

Edgardo Pacheco
in Jornal de Negócios
18 de Junho de 2016






Mais uma vez, meus sinceros parabéns ao amigo Amílcar Salgado, à Quinta de Arcossó e ao Edgardo Pacheco pela vinda a terras do Reino Maravilhoso, descobrir e divulgar esta paixão.


Um abraço e um brinde!

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